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«Naufrágio do Brigue
Freitas e Irmão, 1871» Quadro a óleo, sacristia da igreja de Nossa Senhora do Monte, Funchal, ilha da Madeira. |
Alfeizerão, com as diferentes terras da sua freguesia, foi
desde tempos imemoriais, terra de gente de mar, gente de mar de uma terra sem
mar – pescadores, mareantes e marítimos. Poder-se-ia sustentar essa constatação
com a hipótese romântica de uma vocação marítima inscrita nos genes, mas talvez
seja mais razoável supor que essa seria uma alternativa aliciante para um meio
pequeno onde a maioria dos seus habitantes trabalhava nos campos, com uma
proporção considerável de jornaleiros, trabalhadores agrícolas em terras de
outrem (médios e grandes proprietários, com destaque para as quintas que aí
existiram).
Hoje trazemos aqui a referência a um desses homens, falecido
no mar em finais do século XIX numa viagem entre a canadense Halifax e a ilha
da Madeira. O seu apelido, Galhofa, ocorre nos assentos paroquiais de
Alfeizerão entre os moradores dos Casais do Norte.
«Em dia, mez e anno
incerto, falleceu submergido vindo em viagem a bordo do navio brigue Freitas, d’Alifax
para a Ilha da Madeira, um individuo do sexo mascolino por nome José Galhofa,
casado com Laureana Rocha, marítimo, natural desta freguesia de Sam João Baptista
d’Alfeizerão, Concelho e Arciprestado dÁlcobaça, Patriarchado de Lisboa, filho
legítimo de Antonio Thomaz e Joaquina Salvadora, ambos desta freguesia d’Alfeizerão.
E para constar lavrei em duplicado esta reforma d’assento d’obito por
autorização superior datada de dezassete de Fevereiro do corrente anno de mil,
oito centos setenta e sete. Não deixou filhos.
O Prior António Henriques Secco»
(ADLRA, IV/24/C/15 – Registos de Óbito da freguesia de Alfeizerão, 1865-1880, fl. 75v)
Conseguimos identificar o brigue português em que morreu o marítimo José
Galhofa (submergido, afogado), conseguimos identificá-lo – trata-se do brigue
Freitas & Irmãos, que habitualmente fazia a viagem entre Lisboa e a ilha da
Madeira, transportando a correspondência que existisse entre esses dois
destinos. Entre 1867 e 1871 são anunciados nos periódicos oficiais pela Administração Central do Correio de Lisboa, seis viagens desse brigue entre Lisboa e a Madeira desde 10 de Março de 1867 (Diário de Lisboa, nº 52, p.2 de 7 de Março desse ano, Lisboa, Imprensa Nacional) a 18 de Julho de 1871, a última e a única desse ano, cujo anúncio transcrevemos (Diário do Governo nº 158 de 18 de
Julho de 1871, p. 3, Lisboa, Imprensa Nacional):
«Pela administração central do correio de Lisboa se
faz público que sairão, a 18 do corrente, para a Madeira, o brigue Freitas
& Irmãos; e a 20, para Pernambuco, o brigue Encantador.
«A correspondência será lançada na caixa geral até aos
referidos dias, e na da estação postal do Terreiro do Paço meia hora antes da
que ali for anunciada para a mala ser levada a bordo.
«Administração central do correio de Lisboa, em 17 de
Julho de 1871. O administrador interino, João António Leão de Faria».
Teria ocorrido nesse ano de 1871, o naufrágio do brigue. Na sacristia da igreja paroquial de Nossa Senhora do Monte, no Funchal, ilha da Madeira, existe um quadro a óleo cuja legenda é precisamente «Naufrágio do Brigue
Freitas e Irmão, 1871», não encontramos mencionada a sua autoria, e reproduzimos a imagem desse quadro a partir de uma fotografia
de Rui Camacho, exibida na tese de mestrado de Vitor Paulo FreitasTeixeira
(TEIXEIRA, Vitor Paulo Freitas, «Entre a Madeira e as Antilhas – A Emigração
para a Ilha de Trindade, século XIX», p. 42, Universidade da Madeira, Mestrado
em Estudos Interculturais, Funchal, Novembro de 2009, disponível no
endereço https://core.ac.uk/download/pdf/62477914.pdf,
última consulta a 5 de Abril de 2020).
1871 foi assim, o ano desse naufrágio em que pereceu José
Galhofa, cujo assento de óbito oficial, ou reforma de assento, só foi lavrado
no início de 1877 pelo prior António Henriques Seco.