sábado, 13 de julho de 2019

Liberais e miguelistas na região - esparsas anotações


Da Crónica Constitucional de Lisboa, periódico do regime que substituiu a Gazeta de Lisboa nos anos de 1833 e 1834, colhemos alguns elementos sobre a guerra civil na nossa região.

- Na “Chronica Constitucional de Lisboa” de 17 de Outubro de 1833 (n.º 72, p. 389, Lisboa, Imprensa Nacional) podemos ler uma comunicação de Francisco Garção de Carvalho Campelo de Andrade, Major Comandante da Capitania-Mor de Alcobaça, escrita no quartel desta vila a 11 de Outubro, em que relata que recebera ordens para marchar sobre a vila de Óbidos a fim de, em acordo com o Governador Militar daquela vila, empregar todos os meios para embaraçar os movimentos que os rebeldes pudessem tentar entre São Martinho e Óbidos, tendo recebido a recomendação de fazer observar as demais estradas que os rebeldes pudessem usar para marchas para o interior do reino; mas logo de seguida, informado da tomada de Óbidos pelo exército miguelista, fora incumbido de, após dividir as suas próprias ordenanças em guerrilhas, «conservasse a boa ordem e ao mesmo tempo embaraçasse tanto os movimentos dos rebeldes nos pontos de Peniche, Óbidos e São Martinho, como evitar que eles façam correrias, tirem gados e outros quaisquer géneros de que precisam para sustento». O «Major dos Coutos» termina a sua exposição, solicitando que lhes fossem enviadas mais tropas «para as autoridades terem algum apoio, e com este poderem dar execução às Reais Ordens e meter os povos nos seus deveres».

- No mesmo órgão, mas com data de 30 de Outubro de 1833 (n.º 83, p. 457-458, Lisboa, Imprensa Nacional) encontramos um ofício do Supremo Tribunal da Marinha sobre o processo de apresamento em São Martinho do Porto do navio Lord of the Isles, por suspeita de manobras ao serviço do «exército do usurpador». O navio, capitaneado por William Walford, que a imprensa estrangeira afirmava estar ao serviço de D. Miguel, fora apresado a 12 de Setembro pelo vapor George IV, leal a D. Maria.

- No n.º 92 da “Chronica Constitucional de Lisboa” de 9 de Novembro de 1833 (Lisboa, Imprensa Naciona), podemos ler uma proclamação de António Luís de Seabra, Corregedor da Comarca de Alcobaça, que é, a vários títulos, interessante, e que não dispenso de transcrever aqui. Note-se como ele incita os povos a apoiarem o regime constitucional de D. Maria II, lembrando-lhes o que haviam penado e pago sob o domínio dos frades do mosteiro e, para não terem de volta a «escravidão», deveriam resistir às guerrilhas miguelistas e, em paralelo, respeitar o poder estabelecido (a lei, as autoridades, a propriedade).

Proclamação do Corregedor da Comarca da Alcobaça
«Habitantes da Comarca de Alcobaça! – Encarregado por Sua Magestade Imperial, como Regente destes Reinos, de restabelecer entre vós a authoridade da Lei Constitucional e de nossa Legítima Soberana, a Senhora D. Maria II, eu me lisongeei de antemão com as bem fundadas esperanças de vir achar em vós a mais efficaz cooperação: minhas esperanças tem sido completamente satisfeitas, vendo o zelo e actividade com que os Povos desta Comarca tem espontaneamente proclamado e reconhecido o Legítimo Governo e corrido ás armas para o defender ao chamamento do bravo Coronel Balsemão *. Povos d’Alcobaça! Por longos annos tendes gemido debaixo de um jugo acabrunhador, por longos annos tendes regado de vossas lágrimas e suores estes campos, que até aqui não tem sido férteis e productivos senão para os vossos pesados senhores, a hora do resgate soou finalmente, é tempo de serdes livres, independentes e felizes, os foros, as pensões, os quartos, as rações, as jugadas, as teigas de Abrahão, os laudémios, as luctuosas, os direitos de caseria, fumagem, e bannaes, os direitos de pescado, as prestações e serviços pessoaes em fim, de qualquer género e denominação que sejam, deixaram de pesar sobre vós desde o momento em que arvorastes o Estandarte Nacional e invocaste a Legítima Rainha, e a Carta. Povos d’Alcobaça, uni-vos aos bravos que por vós e pelo bem geral da Nação tantas fadigas tem soffrido e tanto tem derramado do seu sangue, o triunfo da Causa já não é duvidoso, todas as forças do Usurpador são já mui diminutas para se dividirem e escaparem à vigilância das Tropas que as rodeiam sob o commando do vosso magnânimo Regente; mas é necessário que vos façaes respeitar dessas quadrilhas de salteadores que, com [o] título de Voluntários Realistas e de Guerrilhas, discorrem pelas terras indefensas, semeando estragos e ruínas, e permittindo-lhes horrores de que estremece a Natureza. Povos d’Alcobaça! Vede que nenhuma transacção mais pode haver entre vós e elles desde o momento em que renunciastes a escravidão em que gemíeis, defendei-vos pois, mas não os imiteis de maneira alguma, sede humanos e generosos, respeitai a propriedade, respeitai os submissos, e deixai á Lei e aos Magistrados o que é da Lei e dos Magistrados, e estai certos de que elles só tem a peito o vosso bem estar, segurança e tranquilidade. Alcobaça, 23 de Agosto de 1833 – O Corregedor da Comarca, Antonio Luiz de Seabra».

*Vasco Pinto de Sousa Coutinho, 4.º visconde de Balsemão, encarregue pelo marechal Saldanha de chefiar militarmente a região dos antigos coutos de Alcobaça.


-         A 15 de Agosto de 1833, um grupo de cidadãos preocupados das Caldas escreve uma carta ao ministro da Guerra, solicitando-lhe que os proteja de alguma forma da guerrilha miguelista que operava nas proximidades. Por essa carta, tomamos conhecimento que um contingente dessas forças miguelistas de Alcobaça havia saqueado São Martinho do Porto e que se encontrava, nessa data, estacionado em Alfeizerão.
A carta, em duas folhas de papel, encontra-se no Arquivo Histórico Militar (Código de referência PT/AHM/DIV/1/19/240/06; versão electrónica em https://arqhist.exercito.pt/viewer?id=194571&FileID=1418067, acedida em 12 de Julho de 2019)

[f. 1] Os habitantes da Real Villa das Caldas fazem subir ao conhecimento de Vossa Magestade Imperial, pela Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, que no dia 8 do corrente, de sua livre e expontanea vontade, fizerão acclamar na m.ma [mesma] Villa o Governo Legitimo de Sua Augusta Soberana a Senhora Dona Maria 2.a cujo acto foi praticado com todo o socego e emthusiasmo e do m.mo já remeterão auto pela Secretaria de Estado dos Negocios do Reino para chegar á prezença de Vossa Magestade Imperial, a fim de conhecer qual he [a] addezão dos habitantes desta vila pela sua adorada Soberana. Nada alterou Senhor, a paz e socego desta Villa athe ao dia 12; mas na tarde deste dia os habitantes desta Villa se virão atterrados em razão de se espalhar a notícia de que huma pequena força que [a]inda sustenta a uzurpação na Villa de Alcobaça os vinha acometer, e elles só contavão com o apoio para os proteger, de huma força de 40 homens, que o Governador da Praça de Peniche tinha mandado para a Villa de São Martinho, aos quaes os habitantes das duas Villas estavão promptas [a] unir-se; mas Senhor, qual foi o seu terror, e susto, quando virão que esta força sem ser acometida os dezamparou, embarcando no dia 13 para Peniche, ficando expostas estas povoaçoens ao roubo e pilhagem; o que hontem se executou em São Martinho, e suburbios por 40 daquelles Janízaros, tudo isto Senhor, os habitantes desta Villa pella authoridade que os esta regendo fizerão conhecer ao Governador de Peniche e este lhe asegura por hum seu officio em data de 13 que mandava reforçar o destacam.to daquelle Porto [São Martinho] e pôr no m.mo 4 Cahnoneiras; mas os habitantes desta Villa faltarião ao respeito que consagrão a Vossa Magestade Imperial [f. 2] se lhe ____ [?] sem de dizer que nem hum só soldado ali apareceu, e athe hontem Senhor daqui se mandarão 2 portadores com hum officio para o mesmo Governador a fim de saber se elle podia socorrer esta Villa com huma pequena força á qual os habitantes da mesma se unicem e estes portadores encontrão no caminho huma Guerrilha de Cavalo que lhe diz voltem, porque a força que elles solecitavão vinha já em marcha para esta Villa: Chegão aqui com a Guerrilha o contentamto logo apareceu no semblante de todos; determinão-se quartéis, aprompta-se o necessário para a tropa e por ella se espera athe alta noite, rompe hoje a Aurora e não apareceo, constando que ella chegara na distancia legoa e meia desta Villa, e que regressara a Peniche, e este facto mais nos dezanimou porque sabemos que as forças que saquearão São Martinho se achão em Alfeizarão acompanhadas de viz satellites que as guião. Eis aqui Senhor, o dolorozo estado em que se acha esta Villa chegando alguns dos seus Moradores a retirarem-se com o que poderão [puderam] levar. Á vista do exposto recorrem a Vossa Magestade Imperial para que lhe valha em huma crize semelhante.

Caldas, 15 d’Agosto de 1833
E R. M.ce [Espera Receber Mercê]



 [p. 3: assinaturas]



sexta-feira, 24 de maio de 2019

Corografia Moderna

BAPTISTA, João Maria, coadjuvado por seu filho João Justino Baptista de Oliveira, Chorographia Moderna do Reino de Portugal, Volume IV, pp. 10-12, Lisboa, Tipographia da Academia Real das Sciencias, 1876.

(Vide em PDF)



sábado, 11 de maio de 2019

Moinho do castelo



    Do moinho do castelo, cujas ruínas fustigadas pelo vento se erguem a noroeste da fortificação, a primeira referência escrita que lhe encontramos data de 1781 e refere o óbito do filho menor do casal que nele vivia.

Moinho do castelo, José, menor.
                Aos vinte e nove dias do mês de Junho de mil e setecentos e oitenta e um, faleceu da vida presente José, menor, filho de José do Couto e de Josefa Maria, naturais do Casal do Pardo; e para constar fiz este assento que assinei. Dia, mês Era ut supra.
O Cura e Padre Dionísio Álvares de Azevedo

[ADLRA, IV/24/C/12, Registos de óbito da freguesia de Alfeizerão: 1769-1795, fl. 45r]

quarta-feira, 17 de abril de 2019

A "Cruz de Ferro", de Jorge Brum do Canto


 
(hiperligação na imagem)

     A “Cruz de Ferro”, filme de Jorge Brum do Canto com produção da Tobis Portuguesa, foi estreado a 8 de Março de 1967 no cinema Roma, em Lisboa. Baseado num romance de Armando Vieira Pinto (“Natal na Serra”), o trama desenrola-se em volta do conflito entre duas aldeias pela posse da água que irriga as suas terras e foi quase integralmente rodado em Castro Laboreiro.
     O filme contava, entre outros, com os actores Alírio de Sousa, Amílcar Lyra, Ângela Ribeiro, António Machado Ribeiro, Cremilda Gil, Cunha Marques, Emília Correia, Jorge Brum do Canto, Maria Domingas, Octávio de Matos e Ruy Furtado. Foi distinguido pelo SNI, Secretariado Nacional de Informação, em cinco categorias: Melhor Filme do ano, Melhor Argumento Adaptado (Jorge Brum do Canto e Fernando Fragoso), Fotografia (João Moreira), Melhor Actor (Octávio de Matos) e Melhor Actriz (Cremilda Gil).
     Foi o último trabalho cinematográfico de Maria Domingas no papel secundário da “viúva”, concluído um pouco antes dela se retirar completamente da vida artística. Mesmo numa participação tão modesta neste filme, é notório o seu amadurecido talento de actriz, e o carisma e a beleza da sua figura.

P.S.: Cremilda Gil, a conhecida actriz que foi considerada pelo SNI a melhor actriz do ano de 1967 pelo seu desempenho neste filme, nasceu nas Caldas da Rainha a 23 de Fevereiro de 1927. Teve uma carreira prolífica repartida pelos palcos, pelo cinema e pela televisão, tendo falecido a 7 de Fevereiro deste ano em Évora.

Fotogramas de Maria Domingas no filme:













quarta-feira, 10 de abril de 2019

A memória das armas (1914-1918): dois soldados da freguesia de Alfeizerão que não regressaram de França


         Das baixas que a população da freguesia sofreu na I Grande Guerra, só conhecemos com alguma segurança as que ocorreram em França; em Moçambique, por exemplo, temos notícia da morte de António Paulino (n.º 396 do Regimento de Artilharia de Montanha) por paludismo em 14 de Março de 1917, mas os elementos são escassos e desconhecemos se houve mais ou quantas mais baixas houve em Angola e Moçambique – a face mais oculta e ignorada do nosso envolvimento no conflito.
Em França, na listagem que antes organizamos sobre os soldados mobilizados na freguesia de Alfeizerão, encontramos menção de dois soldados que aí perderam a vida e foram sepultados em solo francês. Neste breve apontamento, regressamos a esses dois nomes para lhes acrescentarmos alguns miúdos traços biográficos.

Adelino Segismundo
(o ficheiro no Arquivo Histórico Militar)
Solteiro, embarcou para a França a 19 de Janeiro de 1917, integrou o Regimento de Infantaria n.º 7 (soldado n.º181 da 2.ª Brigada). Sobreviveu à guerra e a 14 de Março de 1919 entra no gozo de uma licença de 10 dias, regressa no dia 23 desse mês mas três dias depois é hospitalizado no Hospital de Sangue n.º 5 onde viria a falecer no dia 2 de Abril, vitimado por uma broncopneumonia dupla gripal. Sepultado no cemitério civil de Linghem, o seu corpo foi depois trasladado para o Cemitério Militar Português de Richebourg l`Avoué (Departamento de Pas-de-Calais).
Do seu assento de baptismo (ADLRA, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1893-1893, IV/24/B/46, assento n.º 26), recolhemos alguns elementos sobre os seus primeiros tempos de vida e os seus ascendentes
Foi baptizado a 7 de Maio de 1893 (tinha 23 anos quando embarcou para a França), tendo nascido em Vale de Maceira às 10 horas do dia 5 de Abril, filho de António Segismundo e Maria Francisca, ambos naturais e moradores no lugar. Era neto paterno de Segismundo dos Santos e Francisca Maria e neto materno de Francisco da Silva e Francisca Maria. Foram seus padrinhos os seus tios maternos, Daniel da Silva e Maria Francisca.
A sua sepultura no cemitério francês de Richebourg l`Avoué situa-se noTalhão C, Fila 11, Coval 16.




José Luís
(O ficheiro no Arquivo Histórico Militar)
José Luís, casado com Maria da Encarnação, embarca para França a 20 de Janeiro de 1917. Tinha o posto de soldado na 2.ª Brigada de Infantaria do Regimento de Infantaria n.º 7. Apenas cinco meses depois, no dia 21 de Junho, é morto na primeira linha por ferimentos provocados por estilhaços de morteiro. Sepultado no cemitério de Pont du Hem, o seu corpo é trasladado depois da guerra para o Cemitério Militar Português de Richebourg l’Avoué (Talhão B, Fila 12, Coval 16).
José Luís, segundo o seu assento de baptismo (ADLRA, Registos de batismo da freguesia de Alfeizerão: 1894-1894, assento n.º 22, IV/24/B/47), nasceu às três horas do dia 27 de Junho de 1894 no Casal do Amaro, filho de Joaquim Luís, que era natural da freguesia de Santa Catarina, e de Maria do Rosário, natural do Casal do Amaro, onde eram moradores. Foi baptizado na capela de Santo Amaro em Alfeizerão no dia 8 de Julho. Era neto paterno de José Luís e Joaquina Rita e materno de António Paulo e Joaquina Maria. Foram seus padrinhos José Marques, solteiro, e Nossa Senhora do Rosário, e tocou com a Coroa da santa, José Luís, casado, proprietário.


domingo, 7 de abril de 2019

A vida e a carreira do desembargador Luís Botelho da Silva Vale

O esboço sobre a vida e a carreira do desembargador Luís Botelho da Silva Vale. Nasceu em Alfeizerão, de origens humildes mas determinado a ir tão longe quanto possível na sua carreira de magistrado, mereceu da parte dos que o conheceram alguns considerandos e observações que servem de elementos para um perfil psicológico: devotado nos estudos, severo e cumpridor, exemplarmente grave e circunspecto em todos os actos e cerimónias protocolares em que teve de intervir.
    Serviu três reis, trabalhou em Portugal e no «Estado da Índia» e foi aposentado com 82 anos de vida

Uma correção/errata ao texto do trabalho. Quando falo da aposentação do desembargador, escrevi que ele se aposenta em 1790 com 82 anos e considerei irreflectidamente que desses 82 anos tivera 55 ao serviço da Coroa, o que não é verídico. Tinham-se passado 55 anos desde que ele fizera a Leitura de Bacharel, ou seja, candidatara-se a um lugar no Desembargo do Paço, mas em 1754, quando está de partida para a Índia, é dito na Mercê de D. José que ele já servira a Coroa como Juiz de Fora durante seis anos - isso dá-nos a data de 1748 para o início do seu trabalho pela Coroa, por conseguinte, em 1790, quando se aposenta, ele havia cumprido cerca de 42 anos como magistrado, o que de todas as formas, não deixa de ser notável.