Da Crónica Constitucional de
Lisboa, periódico do regime que substituiu a Gazeta de Lisboa nos anos de 1833
e 1834, colhemos alguns elementos sobre a guerra civil na nossa região.
- Na “Chronica Constitucional de Lisboa” de 17 de Outubro de 1833 (n.º
72, p. 389, Lisboa, Imprensa Nacional) podemos ler uma comunicação de Francisco
Garção de Carvalho Campelo de Andrade, Major Comandante da Capitania-Mor de
Alcobaça, escrita no quartel desta vila a 11 de Outubro, em que relata que
recebera ordens para marchar sobre a vila de Óbidos a fim de, em acordo com o
Governador Militar daquela vila, empregar todos os meios para embaraçar os
movimentos que os rebeldes pudessem tentar entre São Martinho e Óbidos, tendo
recebido a recomendação de fazer observar as demais estradas que os rebeldes
pudessem usar para marchas para o interior do reino; mas logo de seguida,
informado da tomada de Óbidos pelo exército miguelista, fora incumbido de, após
dividir as suas próprias ordenanças em guerrilhas, «conservasse a boa ordem e ao mesmo tempo embaraçasse tanto os
movimentos dos rebeldes nos pontos de Peniche, Óbidos e São Martinho, como
evitar que eles façam correrias, tirem gados e outros quaisquer géneros de que
precisam para sustento». O «Major dos Coutos» termina a sua exposição, solicitando
que lhes fossem enviadas mais tropas «para
as autoridades terem algum apoio, e com este poderem dar execução às Reais
Ordens e meter os povos nos seus deveres».
- No mesmo órgão, mas com data de
30 de Outubro de 1833 (n.º 83, p. 457-458, Lisboa, Imprensa Nacional)
encontramos um ofício do Supremo Tribunal da Marinha sobre o processo de
apresamento em São Martinho do Porto do navio Lord of the Isles, por suspeita de manobras ao serviço do «exército do usurpador». O navio, capitaneado
por William Walford, que a imprensa estrangeira afirmava estar ao serviço de D.
Miguel, fora apresado a 12 de Setembro pelo vapor George IV, leal a D. Maria.
- No n.º 92 da “Chronica Constitucional de Lisboa” de 9
de Novembro de 1833 (Lisboa, Imprensa Naciona), podemos ler uma proclamação de
António Luís de Seabra, Corregedor da Comarca de Alcobaça, que é, a vários
títulos, interessante, e que não dispenso de transcrever aqui. Note-se como ele
incita os povos a apoiarem o regime constitucional de D. Maria II, lembrando-lhes
o que haviam penado e pago sob o domínio dos frades do mosteiro e, para não
terem de volta a «escravidão», deveriam resistir às guerrilhas miguelistas e,
em paralelo, respeitar o poder estabelecido (a lei, as autoridades, a
propriedade).
Proclamação do Corregedor da Comarca da Alcobaça
«Habitantes da Comarca de Alcobaça! – Encarregado por Sua Magestade
Imperial, como Regente destes Reinos, de restabelecer entre vós a authoridade
da Lei Constitucional e de nossa Legítima Soberana, a Senhora D. Maria II, eu
me lisongeei de antemão com as bem fundadas esperanças de vir achar em vós a
mais efficaz cooperação: minhas esperanças tem sido completamente satisfeitas,
vendo o zelo e actividade com que os Povos desta Comarca tem espontaneamente
proclamado e reconhecido o Legítimo Governo e corrido ás armas para o defender
ao chamamento do bravo Coronel Balsemão *. Povos d’Alcobaça! Por longos annos tendes gemido debaixo de um jugo
acabrunhador, por longos annos tendes regado de vossas lágrimas e suores estes
campos, que até aqui não tem sido férteis e productivos senão para os vossos
pesados senhores, a hora do resgate soou finalmente, é tempo de serdes livres,
independentes e felizes, os foros, as pensões, os quartos, as rações, as
jugadas, as teigas de Abrahão, os laudémios, as luctuosas, os direitos de
caseria, fumagem, e bannaes, os direitos de pescado, as prestações e serviços
pessoaes em fim, de qualquer género e denominação que sejam, deixaram de pesar
sobre vós desde o momento em que arvorastes o Estandarte Nacional e invocaste a
Legítima Rainha, e a Carta. Povos d’Alcobaça, uni-vos aos bravos que por vós e
pelo bem geral da Nação tantas fadigas tem soffrido e tanto tem derramado do
seu sangue, o triunfo da Causa já não é duvidoso, todas as forças do Usurpador
são já mui diminutas para se dividirem e escaparem à vigilância das Tropas que as
rodeiam sob o commando do vosso magnânimo Regente; mas é necessário que vos
façaes respeitar dessas quadrilhas de salteadores que, com [o] título de Voluntários Realistas e de
Guerrilhas, discorrem pelas terras indefensas, semeando estragos e ruínas, e
permittindo-lhes horrores de que estremece a Natureza. Povos d’Alcobaça! Vede
que nenhuma transacção mais pode haver entre vós e elles desde o momento em que
renunciastes a escravidão em que gemíeis, defendei-vos pois, mas não os imiteis
de maneira alguma, sede humanos e generosos, respeitai a propriedade, respeitai
os submissos, e deixai á Lei e aos Magistrados o que é da Lei e dos
Magistrados, e estai certos de que elles só tem a peito o vosso bem estar,
segurança e tranquilidade. Alcobaça, 23 de Agosto de 1833 – O Corregedor da
Comarca, Antonio Luiz de Seabra».
*Vasco Pinto de Sousa Coutinho, 4.º visconde de
Balsemão, encarregue pelo marechal Saldanha de chefiar militarmente a região
dos antigos coutos de Alcobaça.
- A 15 de Agosto de 1833, um grupo de cidadãos preocupados das Caldas escreve uma carta ao ministro da Guerra, solicitando-lhe que os proteja de alguma forma da guerrilha miguelista que operava nas proximidades. Por essa carta, tomamos conhecimento que um contingente dessas forças miguelistas de Alcobaça havia saqueado São Martinho do Porto e que se encontrava, nessa data, estacionado em Alfeizerão.
A carta, em duas folhas de papel, encontra-se no Arquivo Histórico Militar (Código de referência PT/AHM/DIV/1/19/240/06; versão electrónica em https://arqhist.exercito.pt/viewer?id=194571&FileID=1418067, acedida em 12 de Julho de 2019)
[f. 1] Os habitantes da Real Villa das Caldas fazem subir ao conhecimento de Vossa Magestade Imperial, pela Secretaria de Estado dos Negocios da Guerra, que no dia 8 do corrente, de sua livre e expontanea vontade, fizerão acclamar na m.ma [mesma] Villa o Governo Legitimo de Sua Augusta Soberana a Senhora Dona Maria 2.a cujo acto foi praticado com todo o socego e emthusiasmo e do m.mo já remeterão auto pela Secretaria de Estado dos Negocios do Reino para chegar á prezença de Vossa Magestade Imperial, a fim de conhecer qual he [a] addezão dos habitantes desta vila pela sua adorada Soberana. Nada alterou Senhor, a paz e socego desta Villa athe ao dia 12; mas na tarde deste dia os habitantes desta Villa se virão atterrados em razão de se espalhar a notícia de que huma pequena força que [a]inda sustenta a uzurpação na Villa de Alcobaça os vinha acometer, e elles só contavão com o apoio para os proteger, de huma força de 40 homens, que o Governador da Praça de Peniche tinha mandado para a Villa de São Martinho, aos quaes os habitantes das duas Villas estavão promptas [a] unir-se; mas Senhor, qual foi o seu terror, e susto, quando virão que esta força sem ser acometida os dezamparou, embarcando no dia 13 para Peniche, ficando expostas estas povoaçoens ao roubo e pilhagem; o que hontem se executou em São Martinho, e suburbios por 40 daquelles Janízaros, tudo isto Senhor, os habitantes desta Villa pella authoridade que os esta regendo fizerão conhecer ao Governador de Peniche e este lhe asegura por hum seu officio em data de 13 que mandava reforçar o destacam.to daquelle Porto [São Martinho] e pôr no m.mo 4 Cahnoneiras; mas os habitantes desta Villa faltarião ao respeito que consagrão a Vossa Magestade Imperial [f. 2] se lhe ____ [?] sem de dizer que nem hum só soldado ali apareceu, e athe hontem Senhor daqui se mandarão 2 portadores com hum officio para o mesmo Governador a fim de saber se elle podia socorrer esta Villa com huma pequena força á qual os habitantes da mesma se unicem e estes portadores encontrão no caminho huma Guerrilha de Cavalo que lhe diz voltem, porque a força que elles solecitavão vinha já em marcha para esta Villa: Chegão aqui com a Guerrilha o contentamto logo apareceu no semblante de todos; determinão-se quartéis, aprompta-se o necessário para a tropa e por ella se espera athe alta noite, rompe hoje a Aurora e não apareceo, constando que ella chegara na distancia legoa e meia desta Villa, e que regressara a Peniche, e este facto mais nos dezanimou porque sabemos que as forças que saquearão São Martinho se achão em Alfeizarão acompanhadas de viz satellites que as guião. Eis aqui Senhor, o dolorozo estado em que se acha esta Villa chegando alguns dos seus Moradores a retirarem-se com o que poderão [puderam] levar. Á vista do exposto recorrem a Vossa Magestade Imperial para que lhe valha em huma crize semelhante.
Caldas, 15 d’Agosto de 1833
E R. M.ce [Espera Receber Mercê]
[p. 3: assinaturas]


