Um lugar com vista sobre o vale: a génese e o arquiteto da Pousada de S. Martinho
quinta-feira, 27 de maio de 2021
sexta-feira, 21 de maio de 2021
Os livros proibidos – informações à margem de um edital da Inquisição (1791)
A 14 de Janeiro de 1791 a Inquisição, pela autoridade do
Inquisidor Geral, o Bispo do Algarve Dom José Maria de Melo, faz circular pelas
igrejas e conventos do reino um edital contra a posse ou transmissão de livros
e escritos proibidos, edital que teria de ser afixado na porta principal dos
templos, com a correspondente certidão de confirmação enviada ao Santo Ofício.
Transmitimos a título de exemplo a transcrição da resposta do Reitor da Igreja
de Nossa Senhora da Nazaré (in Anexo
documental).
Esta empresa retrógada e fora de tempo, tem para nós alguma utilidade porque nos permite saber, de certa forma,
como se encontravam nessa data a igreja e as capelas da freguesia de Alfeizerão
e de alguns lugares próximos. Destas “Certidões
de publicação de editais” (DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de
Lisboa, mç. 1, n.º 17), recolhemos as informações sumárias sobre o tema,
indicando entre parênteses a sua localização no documento e tecendo quando
necessário, algum comentário a esse respeito.
Sobre os
Coutos de Alcobaça, cuja relação das certidões se inicia no fólio 59r, é feito
um balanço abrangente pelo comissário Manuel António da Rosa, que lembra que o
edital não expõe quais eram os livros proibidos em causa, indicando ele, na
dúvida e por iniciativa própria, um livro de fólio que tinha em seu poder e que
tratava da Virtude e Sacramento da Penitência. Sobre a situação nas paróquias e
a atribuição dos editais, indica, por exemplo, que «a capella do Valado de Alfeizarão, posto que não há Igreja Parochial do
Lugar grande, onde se enterra gente e se publicão banhos [proclamas], e por isso me rezolvi a mandar para lá hum»
(f. 60r).
Sobre o edital
para a capela do Valado, declara o padre José do Couto (f. 67r) que «certifico que recebi huã pastoral do S.to
Oficio por mercê do P.e Joze de Souza para ler na Capella de S.ta
Quiteria do Lugar do Valado e de como a recebi, ali a preguei na mesma Capella
(…)» e assina a 25 de Janeiro de 1792, estando na Quinta de Vale de Maceira («Q.ta do Valle da Mas.ra»).
O padre José do Couto era Cura da paróquia de São João Baptista e natural do
lugar de Vale de Maceira [i].
Em
Alfeizerão, a certidão é lavrada pelo Cura padre António José de Araújo (f.
68r) a 15 de Janeiro de 1792, na qual declara que recebera a pastoral da
Inquisição das mãos do capitão João Tavares da vila de S. Martinho (f. 69r) e
que a lera e afixara. Na vila de S. Martinho, o mesmo capitão, plausivelmente, um
Familiar do Santo Ofício, entregara a Pastoral ao pároco da freguesia, o padre
José Afonso Dinis.
Na aldeia de
Famalicão declara o Vigário Bernardo José Pinto (f. 70r): «Certifico em como recebi huma Pastoral que me mandou entregar o S.r
Francisco José da Villa da Cella, a cual publiquei em hum dia Festivo, e fichei
[afixei] no lugar em que a mesma
declarava, e por esta me ser pedida a fiz, e juro in sacris, Famalicão, 21 de
Janeiro de 1792, O Vigario Bernardo Joze P.to».
Este
sacerdote andará estreitamente ligado à vida da paróquia de S. João Baptista de
Alfeizerão durante um dos períodos mais críticos que esta conheceu. Prior e
vigário de Alfeizerão em 1795, sucedendo ao padre António José de Araújo, permaneceu
à frente dos destinos da paróquia até ao seu óbito em 26 de Janeiro de 1830.
Durante as Guerras Napoleónicas, o padre Bernardo José Pinto, em vez de se
refugiar em terras custodiadas pelos ingleses, como a vizinha Caldas da Rainha,
ou viajar para trás das Linhas de Torres como haviam determinado as cúpulas
eclesiásticas, escolheu ficar na freguesia e andar escondido dos soldados franceses
que de bom grado o matariam se o encontrassem, acompanhando como podia os seus
fregueses num período terrível em que morrerem dezenas deles e eram sepultados em
terra profana por familiares ou vizinhos, sobretudo, no primeiro trimestre do
ano de 1811, em que os franceses ocuparam a vila. Ele mesmo o declara num das
primeiras mortes desse período, a de Luís de Oliveira da vila, que havia sido
sepultado «sem sacramentos, por andarmos
fugidos dos Francezes» [ii].
Adenda documental:
Bento Marques Pereira, Reitor da Real
/ Igreja de Nossa Senhora da Nazareth, Certifico que no / dia abaixo declarado,
li, e publiquei na mesma Real Igreja hum Edital passado em nome do Ex.mo
/ Senhor Dom Joze Maria de Mello, Bispo Titular / do Algarve, Inquizidor Geral
nestes Reynos e Senho- / rios de Portugal, do Conselho de Sua Magestade, e seu
/ Confessor, e pello mesmo Senhor asignado, em datta / de quatorze de septembro
do anno próximo pretérito, / Contra quem Comprar, vender, ler, tiver e conser-
/ var livros ou escriptos perniciozos de qualuer He- / rege, Dogmatista,
Apostata ___ , Cujo Edital, depois de Lido e publicado, affixay na porta
principal da / mesma Real Igreja, como nelle se Ordena. Sittio da Nossa Senhora
de Nazareth, seis de Janeyro de mil / Sette Centos, noventa e dous.
Bento Marqu.es Pr.a
(DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, mç.
1, n.º 17, f. 79)