quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Pedrógão


    Em museologia, como em muitos outros domínios, Portugal sofreu durante muitos anos de macrocefalia, o que importava era reunir nos grandes centros e sobretudo em Lisboa, tudo o que fosse encontrado de arqueologia por esse país fora, tanto o Museu Etnológico como o Museu Nacional de Arqueologia recebiam doações de material arqueológico de todas as províncias do país e tinham funcionários dedicados que percorriam o país recolhendo ou adquirindo peças arqueológicas para serem remetidas para Lisboa. Houve no passado múltiplas campanhas arqueológicas desenvolvidas sob esse fito (talvez não tão rigorosas ou científicas como seria desejável, nem prolongando os trabalhos mais do que se considerava necessário).

    No concelho de Alcobaça, por sua vez, ganhou forma ao longo do século XX uma concepção "pleiádica" de Museu, a ideia justa e razoável de que em vez de existir um museu central na sede do concelho, as diferentes freguesias deveriam albergar um pequeno núcleo museológico com o acervo que aí fosse reunido (arqueologia, etnografia, arte, etc.). Sem nos determos no acervo "hermético" da casa-museu Vieira Natividade, com peças arqueológicas e etnográficas dos concelhos de Alcobaça e Nazaré que tardam em ser organizadas e expostas de forma condigna, lembramos que essa ideia do museu deslocalizado já se encontrava presente nas reflexões de Eduíno Borges Garcia, mas que foi o Dr. Pedro Gomes Barbosa, com a criação do museu monográfico do Bárrio, que lhe deu a sua mais eloquente expressão: os itens escavados em Parreitas estão aí expostos, integrados numa exposição permanente que os explica e contextualiza. Seria salutar se a ideia fosse aplicada a outras freguesias, não só para guardar o que aí existisse, mas servindo para informar e transmitir noções sobre o património que acautelassem o desprezo ou a depredação perante o património material e imaterial da terra. Ao contrário do que por vezes se aventa de forma muito ligeira, as pessoas em geral gostam de cultura, gostam de saber sobre as suas raízes e as tradições do passado, e essa inclinação poderia ser fundamentada e enriquecida com exposições e palestras que, por sua vez, poderiam trazer de volta, mais conhecimento e mais informação num processo dinâmico de enriquecimento. 

     Lembramos aqui uma das escavações arqueológicas que se enquadram na preocupação que acima referimos de reunir espólio digno de ser guardado e/ou exposto em Lisboa. Ao lermos o artigo de José Carvalhais sobre as escavações arqueológicas em Alfeizerão, fica-nos a ideia de que se poderia ter ido mais longe, mas esses trabalhos reuniram alguns itens que ficaram em depósito na igreja paroquial antes de serem enviados para Lisboa e darem entrada no Museu Nacional de Arqueologia.

    Em 1903, José de Almeida Carvalhais fez escavações no Pedrógão e algumas sondagens arqueológicas nas Ramalheiras. Entre o espólio encontrado no Pedrógão enuncia, um sarcófago de mármore com tampa, e fragmentos de vasilha e ânfora, além de diversas ossadas, que atribuiu ao período romano (artigo acessível em: http://www.patrimoniocultural.gov.pt/static/data/publicacoes/o_arqueologo_portugues/serie_1/volume_8/90_antiguidades_romanas.pdf). O sarcófago de mármore («pia sepulcral») fora encontrado por pessoas que naquele sítio tentavam extrair pedra e é descrito como muito fragmentado.

    Um dos itens que Carvalhais levou para Lisboa foi um peso de bronze romano (um pondus), que adquiriu por compra a um rapaz que o havia achado no Pedrógão. Pelo menos esse item não se encontra “perdido” e possui uma referência segura, o n.º de Inventário 16165 do Museu Nacional de Arqueologia. A ficha pode ser consultada na hiperligação: http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=1110824&EntSep=2#gotoPosition

domingo, 4 de outubro de 2020

Apontamentos corográficos de Frei Manuel de Figueiredo sobre Alfeizerão (1782)

Seis anos depois regresso ao texto de Frei Manuel de Figueiredo na transcrição de Casimiro de Almeida, com algumas reflexões e acréscimos:

Hiperligação


Uma descrição do castelo pelo cronista frei Manuel de Figueiredo (1781)


«A vila de Alfeizerão fica superior às suas campinas, que a cercam do Sul, Norte e Poente, e desta parte se eleva um formoso rochedo, bem fronteiro à barra de Salir, sobre o qual está fundado o seu destruído Castelo, do qual mostram as ruínas era formado de uma muralha guarnecida nos quatro lados, e nos quatro centros, com oito torreões redondos; da parte do Nascente se avança uma muralha coroada de ameias, com algumas janelas desiguais na altura, e se conservam algumas abertas, e outras tapadas de pedras; no meio deste corpo está mais avançada para o Nascente outra muralha, que forma uma casa quase quadrada, e mais baixa no estado a que está reduzida; esta muralha, unida ao Castelo, o cerca também pela parte do Norte, na qual ficava a porta mais principal, que já não existe, e, fronteira a esta no corpo do Castelo e muralha interior, outra porta arcada, e da parte do Nascente, contígua à obra mais destacada em que já falamos, outra porta. A parte da obra que cerca o Castelo tem no interior várias divisões, portas e uma cisterna; esta obra, pelo que mostra, era o Palácio em que muitas [vezes] se aquartelavam os Reis, e, no ano de 1630, ainda conservava as traves, como consta das Memórias que extraímos dos Livros da Câmara».

LEROUX, Gérard, «Frei Manuel de Figueiredo – Memórias de várias vilas e terras dos Coutos de Alcobaça (1780-1781)», pp. 125-126, Alcobaça, Jornal «O Alcoa», 2020.