domingo, 10 de fevereiro de 2019

O marco do Santíssimo




O marco
Ao lado da Rua Principal em Famalicão da Nazaré, junto à saída para o Rebolo, levanta-se o marco do Santíssimo sobre um soco cúbico de alvenaria. O marco de pedra ostenta numa face a abreviatura de Santíssimo Sacramento («S.o  S.o») e na outra face (leitura com algumas reservas):
Q.
DO SANTSS.o SACRAM.
EM
POD. HF. CC.
1713
                Alude à quinta do Santíssimo Sacramento e à data em que foi levantado o marco. Sobre a inscrição que precede a data, não possuímos explicações, poderia conjecturalmente tratar-se de uma expressão latina abreviada ou, seguindo as informações do cronista cisterciense de que falaremos em seguida, a abreviatura do nome de quem administrava a quinta na altura e que o terá mandado erguer.

A quinta
                A quinta da Macarca, da qual se conhecem referências desde o século XIV (vide. GONÇALVES, 1989), pertencia ao mosteiro que a cedia em regime de aforamento; um dos que a aforou, segundo o cronista cisterciense Frei Manuel de Figueiredo (FIGUEIREDO, 1782), foi o fidalgo Cristóvão Esteves de Esparragosa (1465-1549), desembargador do Paço.
                O mesmo cronista conta-nos que depois de a manter aforada a diferentes titulares, o mosteiro dedicou a quinta «ao culto do Santíssimo Sacramento da igreja monasterial de Alcobaça e recebe o seu administrador os dízimos de todos os frutos, os quartos do pão e legumes, com os quintos dos mais géneros. E as terras pertencem aos moradores que pagam estes tributos, está demarcada com altos marcos de cantaria [destaque nosso] e nas partes mais principais da demarcação tem padrões com grandes e claras inscrições, que dizem quem mandou marcar as terras e a quem as mesmas pertencem. Tem no sítio do seu nome um edifício com celeiro, lagar e adega, levantado no ano de 1762».
                Entregue à Confraria do Santíssimo Sacramento de Alcobaça, a quinta toma a designação de Quinta do Santíssimo, nome que aparece neste alto marco de cantaria em Famalicão, que era um dos marcos de demarcação dos terrenos da quinta.
                Confiada a quinta e os rendimentos que dela se poderiam obter à Confraria do Santíssimo Sacramento em Alcobaça, esse acto administrativo do mosteiro deve ter tido reflexos no quotidiano e na população da Macarca de então, com pessoas vindas de Alcobaça a fixar-se e a viver no lugar. Se os assentos paroquiais são muitas vezes omissos ou lacónicos quanto à origem de celebrantes e defuntos, encontramos uma referência documental segura numa Diligência de habilitação para a Ordem de Cristo de Luís Botelho da Silva Vale (DGA/TT, Mesa da Consciência e Ordens, Habilitações para a Ordem de Cristo, Letra L, mç. 1, n.º 3). Neste documento, datado de 1754, ficamos a saber que os pais do suplicante eram naturais, ele de Alfeizerão e ela da Macarca e que era «neto pela parte materna de Máximo de Moura, natural de Alcobaça, freguesia do Santíssimo Sacramento, e de sua mulher Clara Gomes, natural da Macarca».



Fontes:
FIGUEIREDO, Frei Manuel de, Corografia da Comarca de Alcobaça (Capítulo de Alfeizerão), 1782, manuscrito, PDF disponível em: https://drive.google.com/file/d/1462MR41YzSP-NzWgUF0CsYtSy3aqmYFs/view?usp=sharing

GONÇALVES, Iria - O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XIV e XV, Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, 1989.