sábado, 18 de junho de 2016

A novel República e a igreja de Alfeizerão



                Um dos diplomas caraterísticos dos primeiros tempos da República em Portugal é a Lei de Separação das Igrejas do Estado, decretada a 20 de Abril de 1911. O diploma proclama a definitiva laicização do Estado português e a plena liberdade religiosa, deixando a religião católica e apostólica romana de ser considerada a religião do Estado.
                Mais se define que o Estado, os corpos administrativos e os estabelecimentos públicos não podem cumprir direta ou indiretamente quaisquer encargos cultuais (artigo 6.º), e que é também livre o culto público de qualquer religião nas casas para isso destinadas, que podem sempre tomar forma exterior de templo; mas deve subordinar-se, no interesse da ordem pública e da liberdade e segurança dos cidadãos, às condições legais do exercício dos direitos de reunião e associação (artigo 8.º).
                O culto público era permitido nas casas para tal destinadas para o período entre o nascer e o pôr-do-sol, carecendo qualquer exceção a esse horário de permissão da autoridade administrativa local (artigos 43.º e 44.º). As cerimónias públicas e procissões podiam ser permitidas nos locais onde constituíssem tradição, mas seriam definitivamente proibidas se por ocasião delas alguém gerasse tumultos ou alterações da ordem pública (artigo 57.º). Era também regulado pela autoridade municipal os toques dos sinos, e expressamente proibida, sob pena de desobediência, a aposição de qualquer signo ou emblema religioso nos monumentos, espaços públicos e fachadas de edifícios particulares (artigos 59.º e 60.º).

As côngruas
                A Lei de 1911 determina que a partir de 1 de Julho desse ano seriam extintas as côngruas e quaisquer outras imposições destinadas ao exercício do culto católico (artigo 5.º). A medida levaria à extinção de muitas confrarias religiosas, e retiraria aos párocos uma parte substancial dos seus rendimentos.
                A título exemplificativo, encontramos no Arquivo Digital do Ministério das Finanças, uma reclamação da Junta de Paróquia da Freguesia de Famalicão da Nazaré (url: http://purl.sgmf.pt/140724) de 14 de Dezembro de 1912, que alegava que tendo sido aí extinta a Confraria do Santíssimo Sacramento por sentença proferida pelo Governador Civil de Leiria, tinham sido inventariados foros e rendimentos que a confraria recebia, e que com a sua extinção deveriam transitar para a Junta, e não para o Estado como efetivamente ocorreu.
                Em Alfeizerão, um outro documento do mesmo Arquivo (url: http://purl.sgmf.pt/155097) fala-nos do padre João de Matos Vieira, uma figura referencial do passado recente da vila e da sua população. A Comissão Central de Execução de Lei de Separação, reconhece que o rendimento do chamado pé de altar do padre João de Matos Vieira (parocho encomendado da freguesia de Alfeizeirão) fora substancialmente reduzido pelo registo civil das populações, função antes exercida pelos párocos, e delibera assim a concessão de uma pensão mensal ao pároco para a sua subsistência, a 22 de Setembro de 1911.

A propriedade e destino dos bens da igreja
                 Os Capítulos IV e V da Lei de Separação das Igrejas e do Estado, são claros e categóricos sobre as propriedades e os bens da igreja. Todas as catedrais, igrejas e capelas, bens imobiliários e mobiliários que têm sido ou se destinava a ser aplicados ao culto público da religião católica (…) [são declarados] pertença e propriedade do Estado e dos corpos administrativos, e devem ser, como tais, arrolados e inventariados (…), entregando-se os mobiliários de valor, cujo extravio se recear, provisoriamente, à guarda das juntas de paróquia ou remetendo-se para os depósitos públicos ou para os museus. As catedrais, igrejas e capelas, assim como os seus objetos mobiliários, seriam cedidos gratuitamente e a título precário pelo Estado à corporação encarregada do respetivo culto (cap. V, artigo 89.º). A lei possibilitava a alienação de edifícios que tivessem perdido a sua função religiosa (caso de uma capela em ruínas em Évora de Alcobaça, vide http://purl.sgmf.pt/139991), ou a venda de bens móveis ou imóveis da igreja católica que não fossem estritamente necessários ao culto religioso. Inserida neste último caso está uma carta com a data de 9 de Setembro de 1912 do Presidente da Comissão Concelhia de Alcobaça dirigida ao Presidente da Comissão Central de Execução da Lei da Separação (vide http://purl.sgmf.pt/140030), em que se propõe o arrendamento em hasta pública de uma courela de terra na Ramalheira, Alfeizerão; juntamente com o arrendamento de outros terrenos em Turquel, Vestiaria, Vimeiro, Cós e Cela.
                A 2 de Agosto de 1911, é realizado na igreja paroquial de S. João Batista o arrolamento e inventário dos bens da paróquia de Alfeizerão (url: http://purl.sgmf.pt/140050), pelo administrador do concelho, José Coelho da Silva, por um membro da Junta de Paróquia, Manuel José Abreu, e por Tristão d’Araújo Abreu Bacelar Júnior (?), secretário de finanças da comissão concelhia do inventário. O inventário arrolará na paróquia 138 itens (quantos destes ainda existirão hoje?), desde alfaias e paramentos, custódias, crucifixos, castiçais, lanternas, missal, fios de ouro, mobiliário, quadros, imagens religiosas e templos. A este documento está anexado um segundo documento da Comissão Jurisdicional dos Bens Cultuais, este datado de 19 de Maio de 1931, em que se descreve principalmente os bens imóveis da paróquia, com alguns dos seus pertences.
                Nas imagens religiosas existentes na paróquia descreve-se (itens 97 a 102): uma imagem de São João Batista, uma imagem de Nossa Senhora do Rosário com o menino Jesus ao colo, uma imagem de Santa Quitéria, de Santo António, uma de S. Sebastião, e outra de Jesus Crucificado. Nos templos, menciona-se sucintamente a igreja paroquial, a capela de Santo Amaro, e a capela de Santa Quitéria no Valado. Da Capela de Santo Amaro, diz-se que tem adjunta a casa da Junta da Paróquia (como terá até tempos relativamente recentes a sede da Junta de Freguesia).
                O ofício de 19 de Maio de 1931 pormenoriza mais os templos, indicando as suas confrontações:
                - Capela de Santo Amaro, adro pertencendo à capela, confrontando de todos os lados com terreno público.
                - Na capela de Santa Quitéria, adro pertencente à mesma capela, confrontando do norte com casa de José Rebelo e Joaquim Lopes; sul, com caminho público; nascente, Maria José Sales (herdeiros); poente, José Rebelo e estrada; (contém) um sino com trinta e cinco quilos de peso.
                - Na igreja Paroquial, um sino com cem quilos de peso; uma casa denominada a “Casa das Almas”, confrontando do norte com igreja, sul com a estrada, nascente com o adro da igreja e poente com sacristia e um sino com setenta e cinco quilos de peso; e (contém também) uma casa denominada a “Casa das Sessões”, confrontando do norte com o adro da igreja; sul, igreja; nascente, adro; e poente, cemitério.
                Temos uma ideia assertiva do que serão estas “casas” ou divisões adossadas à igreja paroquial de Alfeizerão. A Casa das Sessões era onde a Junta realizava as suas reuniões ou assembleias. No Arquivo da SGMF existe um protesto da Junta da Paróquia da Maiorga (vide http://purl.sgmf.pt/140029), em que esta reclama que a Casa das Sessões da Junta fora inventariada indevidamente como residência do pároco e solicita a reparação do erro.
                A Casa das Almas possui uma outra raiz. Ela funcionaria como uma casa mortuária ou capela de cemitério onde eram velados os mortos antes de serem entregues à terra, e a origem do seu nome poderá dever-se à existência em Alfeizerão de uma Confraria das Almas. Os membros deste género de confrarias pagava uma quota anual ou ofertava esmolas para terem um funeral religioso condigno com a presença dos confrades e beneficiarem das missas que eram rezadas pela salvação da sua alma. Nas Memórias Paroquiais de 1758 (Memórias paroquiais, vol. 2, nº 53, p. 465 a 472), o vigário D. Manuel Romão diz que a paróquia possui três confrarias, a do Santíssimo Sacramento, a de Nossa Senhora do Rosário, e a das Almas com esmolas que dão os devotos. Um pouco mais de duas décadas depois, na sua Corografia da Comarca de Alcobaça (1782), Frei Manuel de Figueiredo apenas indica a Irmandade do Santíssimo Sacramento, a que se haviam unido as Irmandades do Espírito Santo e de São João Batista, não sendo uma ideia excêntrica supor que esta florescente confraria fosse suprindo gradualmente as necessidades espirituais daqueles que antes eram irmãos na Confraria das Almas; e isto num período invulgarmente agitado na vida dos paroquianos, com a reconstrução ou reedificação da sua igreja matriz a mando do Abade D. Frei Caetano Sampaio, segundo o mesmo cronista.

Um tema derivado – o pelourinho de Alfeizerão
                Hoje erguido junto à igreja de Alfeizerão, o pelourinho manuelino foi reconstruído a partir da quase totalidade dos seus fragmentos, peças que por ali foram sobrevivendo, usadas como frades de pedra no adro da igreja ou arrumadas à entrada do cemitério. Comparando-o com o pelourinho “gémeo” de Turquel, apenas lhe parece faltar o soco da base em que assentaria o fuste ou coluna, peça que é razoável supor que tivesse tido dada a extrema afinidade morfológica e decorativa entre os dois pelourinhos (vide um nosso artigo sobre o tema).  Se esse fragmento existiu e desapareceu, a explicação mais imediata é que tivesse sido usado no aparelho de algum muro ou parede de casa.
                No Arquivo digital do SGMF, encontramos um documento da Secção do Cadastro da Repartição do Património da Direção Geral da Fazenda Pública (Processo 628, Livro 6), onde se declara, em carta datada de 3 de Março de 1943, que os fragmentos do Pelourinho de Alfeizerão, quando da sua demolição há dezenas de anos, foram aproveitados para obras particulares, restando ainda alguns, servindo de marcos que delimitam o adro da igreja da estrada pública. A hipótese de reutilização do fragmento desaparecido continua assim em aberto.

                Num outro documento similar da mesma Repartição do Património (processo 1246, Livro 5.º), fala-se de um outro pelourinho dos coutos, o pelourinho da Pederneira. Demolido como outros, manteve-se no local a base de degraus octogonais onde se ergueu em 1876 um tronco fóssil para “substituir” o pelourinho desaparecido. Mas neste processo repete-se que alguns fragmentos ou pedaços do pelourinho desaparecido foram guardados no antigo Edifício dos Paços do Concelho, sito na Praça Bastião Fernandes da citada vila.


quarta-feira, 15 de junho de 2016

Os académicos: estudantes do couto de Alfeizerão na Universidade de Coimbra (séculos XVII-XVIII)



FRANCISCO ALVES
Naturalidade: Alfeizerão
Filiação: Francisco Alves
Faculdade: Cânones
Matrículas: 1646/10/25, 1649/11/18 e 1650/10/15.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/A/004465).

JOSÉ ANASTÁCIO
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Cadeira de Instituta: 1749/10/01
Matrícula: 1750/10/01
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/A/005540).

MANUEL DE OLIVEIRA BAENA
Naturalidade: Alfeizerão
Filiação: Manuel de Oliveira
Faculdade: Cânones
Instituta: 1693/10/01
Bacharel: 1698/06/05
Formatura: 1700/06/26
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/B/000201).

ANTÓNIO DE CARIA
Naturalidade: Alfeizerão
Matriculado a 1 de Outubro de 1694 na cadeira de Instituta.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/002695).

DIONÍSIO DO COUTO CERVEIRA
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 01.10.1741
Matrículas: 01.10.1742, 01.10.1743, 01.10.1744, 01.10.1745 e 01.10.1746.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/007608).
NOTA: Julgamos poder identificar esta figura com frei Dionísio do Couto, sobre qual escreveu Diogo Barbosa Machado (Bibliotheca lusitana historica, critica, e cronologica):  «monge cisterciense e filho do Real Mosteiro de Alcobaça. Foi muito douto em Direito Pontifício, compondo Casus abbreviati super Decretales. Fol. M.S».
                Nos alunos da Universidade provenientes de ordens religiosas, não era discriminada a filiação na matrícula (informação colhida no trabalho de Ana Maria Leitão BANDEIRA, Percurso académico na Universidade de Coimbra, nos séculos XVI a XX - orientações para pesquisa, publicação do Arquivo da Universidade de Coimbra).

VICENTE CORREIA
Naturalidade: Alfeizerão
Instituta: 01/10/1705
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/010425).

VICENTE CORREIA DE ALMEIDA
Naturalidade: Alfeizerão
Filiação (pai): António Correia
Faculdade: Cânones.
Matriculado na cadeira de Instituta a 1/10/1705
Bacharel em Leis a 1710/06/11 (Livro 53, Caderno 3º, fl. 99v).
Formatura em Leis a 1712/06/25 (Livro 54, Caderno 2º, fl. 114).
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/A/003497).

ANTÓNIO PEDRO DA FONSECA COUTINHO
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Direito
Matrícula: 03.10.1783
Matemática: 11.10.1784 (obrigado)
Leis: 19.10.1785, 06.10.1786 e 31.10.1787
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/013249).

ANTÓNIO DO COUTO
Naturalidade. Alfeizerão
Faculdade: Cânones.
Instituta: 01.10.1735
Matrículas: 01.10.1736, 01.10.1737, 01.10.1738, 01.10.1739, 01.10.1740, 01.10.1741 e 01.11.1743.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/013701).

JOSÉ DO COUTO
Naturalidade: Alfeizerão
Instituta: 04.01.1739
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/C/013793).

JOÃO LUÍS
Naturalidade: Vale de Maceira
Filiação: João Luís
Faculdade: Medicina
Matrículas: 01.10.1714, 01.10.1715, 01.10.1716, 01.10.1717, 01.10.1718, 01.10.1719
Instituta: 1ª tentativa a 29.05.1717, 2ª tentativa a 29.05.1720
Formatura: 15.06.1720
Aprovação: 05.12.1727
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/L/004804).

JOÃO LUÍS
Naturalidade: Vale de Maceira
Bacharel em Artes: 24.04.1714
Licenciado: 08.06.1715
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/L/004805).

JOÃO LUÍS
Naturalidade: Vale de Maceira
Instituta: 01.10.1740
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/L/004806)
Nota: os nomes iguais e a mesma localidade de origem, permitem a hipótese de não se tratar de três pessoas distintas, o que de uma forma ou de outra só se pode comprovar na origem.

ANTÓNIO DE OLIVEIRA
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 24.12.1743
Matrículas: 01.10.1744, 01.10.1747, 01.10.1748, 01.10.1749, 01.10.1750 e 01.10.1751.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/O/000110).

JOSÉ DA SILVA RAMOS
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 01.10.1764
Matrículas: 01.10.1765, 01.10.1766 e 01.10.1767
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/R/001468).

JOSÉ ANTÓNIO LEAL E SILVA
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Matemática
Matrículas: 03.10.1794 (obrigado) e 06.10.1795.
Filosofia: 04.10.1794 (ordinário), 06.10.1795 e 08.10.1796.
Medicina: 04.10.1797, 09.10.1798, 02.10.1799, 23.10.1800 e 29.10.1801.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/S/006768).

ANTÓNIO SIMÃO
Naturalidade: Vale de Maceira
Faculdade: Cânones
Instituta: 01.10.1763
Matrículas: 01.10.1764, 01.10.1765, 01.10.1766, 01.10.1767, 01.10.1768 e 01.10.1769.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/S/008692).

ANTÓNIO DO COUTO CERVEIRA E SOUSA
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 22.12.1751
Matrículas: 01.10.1752, 01.10.1753, 01.10.1754, 01.10.1755, 01.10.1756.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/S/010520).

LUÍS BOTELHO DA SILVA E VALE
Naturalidade: Alfeizerão
Faculdade: Cânones
Instituta: 01.10.1727
Matrículas: 01.10.1728, 01.10.1729, 01.10.1730, 01.10.1731, 01.10.1732 e 01.10.1733.
(Código de referência: PT/AUC/ELU/UC-AUC/B/001-001/V/000322).